A saga do "politicuzinho" neutótico - I

Capítulo I
O sol timidamente ia dourando as flores da plantação de milho naquele vale infinito de um verde forte. O amanhecer acontecia sem pressa, como a passar segundos em horas. Durante toda a noite uma forte chuva molhara a cidade. E agora, quando a água parou de cair do céu deixando Zoropacity umedecida e com um brilho diferente nos paralelepípedos de suas ruas e nos telhados de suas casas, Cudeiflor Mimosa espreitava pela cortina da janela, esperando a chegada de seu marido que desde a manhã de dois dias atrás saira de casa rumo ao trabalho e, 48 horas depois, ainda não havia regressado. Na verdade, ela não dormira um segundo siquer. Passara as duas últimas noites em vígilia, velando o sono do pequeno  Ave Tirano que, alheio ao sumiço temporário do pai, vivera os dois últimos dias com um largo sorriso nos lábios e com um alegria tão intensa que Cudeiflor Mimosa pensou que ele estivesse doente de algum mal desconhecido na região. Mas ela estava alí, com os olhos cansados, o corpo cansado, a mente cansada e cansada daquela rotina de angústia e sofrimento. Deixou a janela e caminhou até o quarto de Ave Tirano. Lá, o menino dormia esparamado pela cama. No rosto mantinha o sorriso que o acompanhara pelos dois últimos dias desde que seu pai, Borborto Flantas, havia saído para o trabalho. Cudeiflor Mimosa ajeitou a coberta sobre o menino e saiu do mesmo jeito que entrou; em silêncio e pensativa. Dirigiu-se para a cozinha para preparar um café forte e aguentar até o dia invadir definitivamente a cidade e adentrar por todos os cômodos da casa com um gosto de sol. Enquanto a água esquentava no fogão, ela preparava o coador com poucas colheres de pó de café. Sua cabeça não parava de pensar. Dava voltas e voltas, mas continuava com o pensamento preso num único ponto: o regresso de Borborto Flantas. Não que o desejasse além de não poder controlar sua ansiedade. Não. Muito pelo contrário, a preocupação de Cudeiflor Mimosa era exatamente o contrário da alegria de ver o marido retornar para casa depois de uma jornada de trabalho. O que a movia, ou melhor , o que a mantinha acordada, angustiada, anciosa era exatamente como ele iria chegar em casa. Há anos que tudo se repetia.  Era muito tempo vivendo o mesmo lenga-lenga, a mesma tortura. Ela sabia onde seu marido estivera nas últimas 48 horas. Não precisava ninguém dizer. Ela sabia muito bem e com toda a certeza de seu coração. Sabia também que quando ele entrasse pela porta, bêbado como um porco em véspera de sacrifício, o tormento recomeçaria como das vezes anteriores.  Ela tinha certeza do que iria acontecer mais uma vez. Por isso, esperava ele na porta para que Ave Tirano não precenciasse mais uma sessão de humilhação, pancadaria e sofrimento.
(continua na próxima semana)

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