Crônica da amizade

(Marcus Ottoni – jornalista)
  A única certeza que temos na vida é que um dia ela irá terminar. Não sabemos como, nem quando, mas sabemos que um dia, qualquer dia, a vida cessará. Nessa jornada que começa com o primeiro choro, vamos colecionando amizades que ao longo do caminho de nossas vidas, algumas vão se consolidando e tornando-se eternas e outras que vão se desfazendo com o passar dos dias, virando lembranças de momentos bons, ou não.
  “Amigo é coisa para se guardar no lado esquerdo do peito”, diz a canção de “Bituca”. Tomo a liberdade de acrescentar que não apenas dentro do coração, mas, sobretudo, na mente e na alma onde as verdadeiras amizades fazem seus portos e lá ancoram suas embarcações de sentimentos e cumplicidades. Amigo é sujeito da amizade, predicado da solidariedade, objeto direto da existência. Amigo não se conjuga no passado nem no futuro, é sempre presente e verbo transitivo direto de emoções. Amigo não tem sinônimo, nem antônimo, é amigo e pronto, único em gênero, número e grau.
  Amigos constroem as amizades independentes de qualquer outra coisa que não se ressuma em ser amigo e estar amigo, sempre e constantemente. Assim, a vida que vivemos e pela qual caminhamos rumo ao seu final torna-se um mosaico de amizades que nos complementam e tornam a nossa existência menos turbulenta do que a que nos oferece o velho mundo corroído por egoísmos e intolerâncias de qualquer matiz. Amizades e amigos, ou amigos e amizades, garantem a certeza de que as tempestades em nossa existência, por mais assustadoras e perigosas, nunca se farão eternas porque sempre haverá um amigo pronto para nos resgatar da tormenta levando-nos seguramente para um mar de calmaria e tranquilidade.
  Infelizmente as amizades também se corrompem e fazem da interação afetiva o monstro que devora sentimentos destruindo o que se acreditou ser uma amizade verdadeira. E vão ficando pela estrada de nossas vidas como exemplos subjetivos de amigos grafados em letras minúsculas, invisíveis a olho nu e sem expressão maior do que a insignificância dos adjetivos pejorativos que a vida vai cunhando em nossa existência como a marcar pontos sobre pontos nos dias que vamos perdendo a cada novo ano quando completamos menos um ano de vida.
  Amigos se fazem pelas palavras ditas, pelos gestos feitos, pelas emoções divididas, pela solidariedade compartilhada, pela divisão do pão, pelo cálice de vinho, pelo abraço fraterno, pelo grito livre, pela razão de existir, pela vida em si. Amigos não são objetos descartáveis, material de consumo, produto de ocasião, modismo de estação, uso e fruto... Amigos são essências do ser, confidências do ego, evidências de felicidade, descoberta da eternidade, consciência de humanidade...
  E amigos se tornam tão o mais importante quando a redução de nossas vidas se torna mais consciente e mais presente. Quando a única certeza que temos desde que nascemos começa a se desenhar como pichação da existência, que, sabemos que está ali, mas não conseguimos decifrar seus garranchos tortos desenhados no mosaico do nosso eu peregrino, colecionador de amigos e construtor de amizades.
  “Amigo é coisa para se guardar dentro do coração” e deixar que também, no coração dos amigos, fiquemos lá quietos depois que chegarmos ao final da nossa caminhada.

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