PPS/RN: ascensão e queda de uma legenda socialista


(Marcus Ottoni – jornalista)
  O Partido Popular Socialista no Rio Grande do Norte (PPS-RN) vem, ao longo dos últimos sete anos, enfrentando seu inferno astral pela falta de um mandato parlamentar o que o coloca em grande desvantagem no cenário político estadual. Herdeiro do legado do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB) nas lutas populares e participação efetiva nos grandes temas nacionais durante décadas, ora na legalidade, ora na clandestinidade, o PPS foi fundado no Brasil em 1992 com a extinção do PCB e, também no Rio Grande do Norte, nasceu como esperança de renovação política e alternativa para as transformações exigidas pela sociedade naquela época.
  No Rio Grande do Norte, ancorado no mandato do seu único presidente, a partir de 2001, na época vereador de Natal Wober Júnior, e com quadros capacitados politicamente, o partido deu início a seu crescimento mesmo estando umbilicalmente ligado a uma das mais tradicionais forças políticas do estado: a oligarquia Alves, patrocinada e comandada pelo ex-governador Aluísio Alves. Foram quase dez anos atuando na sombra do clã Alves e contribuindo para a continuidade da política maniqueísta dos cordões vermelho e verde produzida, difundida e manipulada por Alves e Maia, alternadamente.
  O grande salto do PPS/RN foi o rompimento do partido com o sistema liderado pelos peemedebistas Aluízio e Henrique Alves e seu ingresso nas hostes Wilmista, o que alavancou sua projeção no Rio Grande do Norte como partido político de expressão, aliado a um projeto que colecionava vitórias eleitorais e revolucionava a administração pública municipal de Natal e, logo após, do próprio estado. Nesse período o partido nunca deixou de ter representantes nos parlamentos, estadual e municipais. A incorporação ao sistema comandado pela atual vereadora do PTdoB, Wilma de Faria, na época governadora do Estado, representou a expansão do PPS/RN, não apenas geograficamente, mas, e sobretudo, na sua efetiva atuação política em todo o Rio Grande do Norte, elegendo prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em dezenas de municípios potiguares.
  Na capital, o partido tinha representação na Câmara Municipal e ancorava suas ações no mandato do deputado estadual Wober Júnior, na Assembleia Legislativa. O prestígio do PPS/RN junto ao comando político do governo Wilma de Faria pode ser medido pela importância que a própria governadora dava a liderança do deputado Wober. A confiança que ela depositava nele, como líder de seu governo da Assembleia e como político competente com histórico de integridade, honestidade e lealdade a seus aliados o levou ao exercício das funções de secretário estadual da Educação e Chefe da Casa Civil, impulsionando o partido e ampliando seus horizontes políticos de poder e popularidade.
  Em 2008, talvez um dos melhores momentos da trajetória do PPS/RN, o partido entrou na disputa pela prefeitura da capital com candidatura própria com o nome do seu presidente e deputado estadual Wober Júnior, enfrentando as duas mais poderosas forças políticas do estado alinhadas em candidaturas antagônicas com forte poder de mobilização popular, polarizando o debate e com recursos ilimitados para a campanha eleitoral daquele ano. A campanha do PPS ganhou corpo e produziu na sociedade a consciência de uma nova alternativa política para administrar a capital com reformas profundas na gestão pública, com ética, transparência e compromisso com as comunidades, das mais carentes as mais abastadas. Mesmo assim, o PPS foi esmagado pelas forças tradicionais da política local, ficando em terceiro lugar com mais de 24 mil votos e com a certeza de que o partido havia cumprido sua missão e plantado a semente da renovação.
  Mas o centralismo diretivo (Wober Júnior é presidente do PPS/RN há mais de 15 anos) e o viés familiar implantado no partido começaram a provocar defecções em seu quadro político tirando da legenda pessoas como os ex-vereadores Emilson Medeiros e Heráclito Noé e o advogado Kelps Lima, hoje deputado estadual pelo Solidariedade, eleito com mais de 60 mil votos em 2014. Além disso, a sucessão de decisões equivocadas tomadas pelo partido, a partir de 2010, de acordo com o meu ponto de vista, desencadeou o declínio político do PPS/RN e o colocou no caminho dos chamados “nanicos”, aqueles partidos utilizáveis nos períodos eleitorais pelos tradicionais representantes das nefastas oligarquias potiguares.
  O início da queda do partido no cenário estadual tem origem no insucesso eleitoral do presidente da legenda na disputa por uma das oito vagas de deputado federal em 2010,  abrindo mão de uma quarta reeleição garantida  para deputado estadual. Derrotado, o PPS deixou a Assembleia Legislativa onde atuou por 12 anos consecutivos. Um ano depois perdeu o vereador de Natal Heráclito Nóe, que abandonou a legenda em conflito com o presidente Wober Júnior. Era, a partir daí, o início do inferno astral político do PPS/RN que se estende até os dias atuais e que transformou a glória de uma legenda socialista promissora no tsunami indesejável do ostracismo político no universo potiguar.
  E a sucessão de equívocos continuou sempre sobre a batuta do Diretório Estadual. Em 2012, sem mandato, Wober Júnior entrou na disputa por uma vaga na Câmara Municipal de Natal apoiado pelo então presidente da Assembleia Legislativa que se integrou na campanha do “amigo” apostando na eleição do ex-colega de parlamento. Wober fez parte da aliança eleitoral ancorada pelo candidato a prefeito Carlos Eduardo contra o sistema liderado pelo então deputado federal Henrique Alves, antigo líder político do presidente do PPS/RN. A decepção veio por meio da Justiça Eleitoral que cassou a candidatura de Wober e o tornou inelegível por oito anos num processo de improbidade administrativa durante sua gestão como secretário estadual da Educação. Dos nove candidatos a vereador, em 2012, três foram indeferidos, um foi cassado (Wober) e cinco disputaram sem qualquer possibilidade de elegerem-se.
  Mesmo sem mandato e sem representantes parlamentares, o PPS/RN ganhou uma secretaria na prefeitura de Natal e distribuiu seus cargos com parte da militância partidária, mais precisamente os correligionários próximos ao presidente. Em 2014, outra decisão do partido o leva para a candidatura do então presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, posicionando o PPS/RN contra a candidatura do então presidente da Assembleia Legislativa Robinson Faria, eleito governador do Estado. Cassado pela Justiça Eleitoral, Wober patrocina a estreia da filha Laura Helena na política, colocando-a na disputa por um mandato de deputado estadual. O partido não logrou êxito e Laura ficou na primeira suplência da coligação com pouco mais de 18 mil votos. Mais uma vez o insucesso eleitoral reflete negativamente no PPS/RN.
  Talvez a pior fase do inferno astral do partido tenha sido em 2016. Atrelado a Carlos Eduardo Alves, o PPS/RN se viu incapaz de voar com suas próprias asas e terminou numa sequência humilhante de tentativas de acordos e alianças para a eleição municipal na capital. Recusado até mesmo pelo partido do prefeito que hospedava o PPS/RN na administração municipal, o partido quase que mendigou uma coligação para disputar a eleição municipal de 2016. Viu-se obrigado a alterar, de última hora, a convenção eleitoral porque não tinha com quem se aliar. E nas idas e vindas, terminou junto e misturado apenas com o PSB, depois de ter sido recusado por vários partidos. Apostando todas as fichas na candidatura do ex-secretário da SMEL, o PPS não conseguiu eleger nenhum dos seus 17 candidatos, mas ajudou na reeleição do vereador do PSB, Franklin Capistrano.
  Voltando um pouco no tempo lá pelo primeiro semestre de 2016, registra-se mais uma decisão equivocada do partido nessa sua fase de inferno astral. A grande oportunidade do PPS  reingressar no universo político do Rio Grande do Norte, voltar a ter reconhecida sua importância como partido de vanguarda e atuação compromissada com os anseios da sociedade potiguar, além de garantir mandatos eletivos para o partido foi perdida quando da revoada de políticos em busca de novas legendas.
  Durante a “janela” criada para mudança de partido sem perda de mandato, a ex-governadora do Estado, Wilma de Faria, na época vice-prefeita da capital e hoje vereadora em Natal pelo PTdoB, junto com a filha deputada estadual Márcia Maia, mantiveram conversas com Wober Júnior visando a migração delas do PSB para o PPS. Junto viriam várias lideranças do PSB (vereadores, vice-prefeitos, prefeitos e exs) em quase todos os municípios potiguares reforçando o partido e ampliando seus quadros no Rio Grande do Norte. As conversas avançavam positivamente e era tida como certa a filiação de Wilma e Marcia no partido. O que aconteceu?
  As negociações chegaram até Brasília para análise do presidente nacional do PPS, Roberto Freire, hoje no cargo de ministro da Cultura do governo Temer. Numa reunião na sede nacional do PPS com a presença de Wober  e Marcia Maia ficou acertada a filiação de mãe e filha no PPS e a entrada da ex-governadora Wilma no Diretório Nacional do partido. A ideia do presidente Roberto Freire era aproveitar o evento da filiação do senador Cristovam Buarque (ex-PDT) para filiar Wilma e Marcia. E o que melou?
  Para se filiar no PPS/RN, Wilma pleiteou o controle do Diretório Estadual cabendo a ela e seus liderados oriundos do PSB, 51% dos cargos do diretório: presidência, tesouraria, secretaria geral por exemplo. Os 49% restantes ficariam sob o comando de Wober Júnior, além do controle total do Diretório Municipal de Natal. Isso significaria para a direção atual a perda do comando partidário e do controle de outros itens no Diretório Estadual, embora continuasse com poder no cargo de vice-presidente. Segundo Wober Júnior, na época, “a transferência do controle do Diretório Estadual para Wilma não seria uma coisa justa”.
  A decisão de dificultar a filiação de Wilma de Faria e Marcia Maia para não perder o controle do partido levou o PPS a perder de uma só tacada uma deputada estadual com mandato, Marcia Maia; uma vereadora em Natal com mandato, Wilma de Faria (que poderia até ter contribuído para a eleição de mais um candidato do partido na esteira de seus votos); e tantos outros prefeitos, vice-prefeitos e vereadores pelo interior do Estado, além, é claro, a exposição positiva do PPS nas eleições municipais de 2016.
  O resultado das eleições do ano passado revelou o enxugamento eleitoral do PPS/RN e jogou o partido numa realidade nada confortável nas instâncias de poder na capital e no estado. Na prefeitura de Natal, o partido foi defenestrado pelo prefeito eleito, cuja ação foi negar abrigo ao PPS na estrutura da prefeitura, tirando do partido a secretaria de Esporte e Lazer e demitindo todos os pepesistas da pasta. No Governo do Estado, o estigma de “traidor” do governador é o mantra dos correligionários de Robinson entoado sempre que o assunto é a adesão do PPS ao governo. No governo federal pouco ou quase nada representa para a política potiguar os dois ministérios ocupados pelo PPS. Muito pelo contrário: participar do governo Temer nos dias de hoje tornou-se temerário social, politica e eleitoralmente.
  O balão de oxigênio que pode dar fôlego ao PPS é a conquista de um mandato parlamentar. A expectativa nos bastidores do partido é a cassação, antes de 2018, do mandato do deputado do PHS, Souza, pelo Tribunal Superior Eleitoral com base num processo de impugnação de mandato que acusa o parlamentar de um suposto abuso de poder econômico, captação ilícita de votos e abuso de meios de comunicação no pleito municipal de Areia Branca, onde Souza foi eleito prefeito. Ele teve o registro da candidatura para deputado estadual indeferido pelo TRE-RN e disputou a eleição de 2014 apoiado numa decisão monocrática do TSE. O PHS participou da coligação com o PPS e a candidata Laura Helena, filha de Wober Júnior, é a primeira suplente da aliança eleitoral e, teoricamente, deve assumir a cadeira de deputada estadual caso a votação de Souza (20 mil e poucos votos) não seja anulada junto com a cassação do mandato.
  Vale aqui lembrar uma conversa com o secretário geral do PPS/RN na sede do partido, três dias antes de ocorrer minha demissão da função de jornalista do Diretório Estadual, no mês de setembro do ano passado. Perguntava-me o advogado Alexandre Gusmão, secretário geral do PPS/RN: “Você acha que esse prestígio de Wober, a gente sem um mandato desde 2010, dura até quando? Não dura, né?”

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