É setembro, sábado

(Marcus Ottoni – jornalista)
  Hoje, primeiro sábado de setembro do Ano da Graça de 2017, século XXI, acordei com uma enorme vontade de botar o pé na estrada e correr mundo tipo “easy rider”, sem direito a retorno. Apenas seguir, indo como o vento que vai onde ninguém jamais chegou ou ousou tentar estar lá. Abrir os olhos numa manhã assim é o mesmo que mergulhar num lago congelado na Sibéria com a água a tantos graus negativos que até mesmo o gelo se assusta com tamanho frio.
  Mas... o sol bate na janela avisando que a noite se perdeu na madrugada e que esta, a madrugada, já bateu em retirada e lhe deu a missão de comunicar-me que o dia raiara e a vida voltara a acontecer na esquina da América Latina e que eu, pobre mortal, tenho que pular da cama e dar prosseguimento ao que papai e mamãe iniciaram numa distante noite (ou terá sido dia, madrugada?) lá pelo final de 1953, quando numa alegria natalina se amaram apaixonadamente para comemorar o aniversário do menino Deus e... cá estou eu... 63 anos depois.
  Sim senhor sol, deixarei a cama sob protestos silenciosos e me porei a desenhar esse primeiro sábado do mês da primavera. Assim, cá estou eu em frente a uma caneca de café preto com sabor de resistência, saboreando um naco de pão dormido com gema mole de ovo meio frito. O pensamento voa e me leva por terras antes visitadas e lugares que jamais saíram de minha mente. Lá, diferentemente daqui, a vida acontece de forma libertária, infinitamente feliz.
  Sinto uma fisgada na perna e penso ter esbarrado num espinho por onde caminho mentalmente. Ilusão pura. É “salsêra”, a gata de pelos macios e olhar pidão, que me arranha a perna querendo que eu socialize meu pão. Fazer o que? Volto ao mundo de onde “salsêra” me arrebatou e lá não me encontro mais porque minha mente desligou-se do que já foi e me prende, agora, o que terá que ser. Hoje, diferente do que foi ontem e desigual do que será amanhã, penso com meus olhos perdidos nesse gesso esbranquiçado que se esparrama por sobre minha cabeça.
  A vontade de sair sem destino se aquieta no peito e aceito o “pit stop” da realidade aqui onde o Brasil foi descoberto pelos marujos portugueses e, aonde aconteceu a primeira ação de resistência a invasão estrangeira do país, pelas a índias tapuias, que literalmente assaram a batata (e todo o resto) dos invasores e degustaram aquele petisco de além mar numa duna de areia branca com vista privilegiada para o oceano Atlântico. Por isso, dizem os portugueses e os historiadores que o Brasil foi descoberto na Bahia de todas as preguiças e resignações.
  Me incomoda o silêncio deste sábado. Nem mesmo as folhas do coqueiro fazem barulho balançando ao sabor do vento sueste que sopra vindo o mar. Também não escuto o latido do cachorro do vizinho que diariamente, no período entre seis e seis e meia da manhã, entoa um hino melancólico com um latido arrastado e comprido muito parecido com lamento de romaria cristã. O casal de pombo que toda manhã vem catar migalhas de alimentos no quintal, também hoje não está aqui. Só eu, o vento, “salsêra” e esse infinito azul provinciano que a tudo e todos cobre com sua beleza universal.
  E o sonho de partir...

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