Minha estrada... minha solidão

(Arquimedes Pouchart – escritor)
  Se a alma nos pega de calças curtas a bisbilhotar o passado com lágrimas nos olhos é um grande desastre. Estaremos, nesse momento, fragilizado eternamente e presos por tempo indefinido a um coração saudosista, cheio de emoções vividas em total harmonia com a felicidade e sem qualquer remorso por estar ali, agora, no presente, revivendo o que ficou para trás e jamais retornará.
  E a bisbilhotice é uma armadilha da mente e um castigo da solidão que tornou-se companheira mesmo sem que você saiba que ela se fez, faz e sempre se fará presente em sua vida. Triste constatação real. Mas não me importo com esse infortúnio, prefiro enxergar além da névoa que estar só provoca em nosso horizonte existencial. Viver não é tão necessário como navegar que é preciso... seja no oceano ou na mente.
  A solidão tem companhias que são agradáveis e que sempre estarão a nossa disposição quando ela nos visitar, quase que sistematicamente. São agregados da solidão que lhe dão vida e nos amarguram porque adoramos esses complementos solidários e solitários por pura essência dos costumes de quem convive, solitariamente, com a solidão em seu coração. Não na alma...
  Porque não existe alma solitária. Alma é solidária em sua concepção, nunca solitária. Embora, aparentemente, ela se pinte de solitária com o único intuito de conhecer os caminhos da ilusão e a descoberta da felicidade (se é que a felicidade é algo que se conquista ou que esteja ao nosso alcance) ela nos ilude sempre. É muito mais uma busca constante de si mesmo do que uma realização existencial a conquistar.
  E nós sucumbimos a todas as recordações. Boas ou más. Nos tornamos reféns delas por puro masoquismos vivencial. Sem qualquer arrependimento ou constrangimento. E o fazemos com a certeza de que reviver é bem melhor do que viver o que não se sabe se virá, como virá ou, ainda, como será que acontecerá quando chegar o momento de viver o que está por vir para vivermos, enfim, o que acontecerá.
  Nos tornamos cúmplices do que nos aprisiona no passado e que nos impõe a falsa sensação de que podemos reconstruir o que se foi, ou reconquistar o que se perdeu, ou, em última hipótese, recompor o que destruímos por puro egoísmo e falta de solidariedade. Perdemos a razão e nos tornamos replicas mal construídas de nós mesmos, como avatares de uma mesmice desnecessária para continuar vivendo em busca da felicidade.
  Assim, as luas cheias vão caminhando pelo céu, as garrafas de vinho vão explodindo suas rolhas e esvaziando-se, os nacos de queijos vão se transformando em pontos amarelos esbranquiçados no prato, o pão vira migalhas espalhadas por sobre a mesa, o copo denuncia o excesso do vinho em sua borda, o espirito se liberta do corpo, a alma observa a leveza do ser e o próprio ser se deixa perder numa espiral caleidoscópica sem passado nem futuro. É o êxtase da solidão completamente incorporada ao corpo mutilado pela saudade.
  E a canção continua penetrando pelos ouvidos e detonando na mente o que ainda resta de dignidade. Não há como resistir a revolta censurada, não há como combater a inércia inoportuna que tudo arrasa e descontrói. Não há forma mais cruel de convivência com o que nunca mais teremos e que nesse momento é, exatamente, o que queremos mais do que a presença da solidão inesperada. Ela põe fim a tudo que não queríamos terminar, como se dela fosse propriedade o nosso destino, a nossa vida, toda nossa emoção.
  Não sei quão recorrente é essa solidão disfarçada de alegria insana que me consome e me traduz em estado saudosista. Mas não me importo com ela. Sei que ainda há uma felicidade a ser conquistada e que, em algum lugar ou em algum momento, ela se manifestará como grande portal pelo qual passamos a vida inteira a buscar sua localização. Creio que colocarei um ponto final na solidão quando descobrir e ter a certeza de que o portal da felicidade não está em nenhum lugar do planeta, e sim, onde nunca o procurei, em mim mesmo.
  Mas, chegar até ele não é apenas saber que ele está em mim. É preciso descobrir a estrada por onde devo seguir para chegar dentro de mim...

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