Crônica de um "profissional complicado"

(Marcus Ottoni – jornalista)
Quando eu era pequeno e, entusiasmado pela alegria infantil, ajudava meu pai a montar seus anúncios para o jornal O Dia (ajudava é modo de dizer) ouvindo sempre com atenção redobrada ele resmungar coisas como “é preciso melhorar sempre”, “nada está perfeito enquanto não se conclui a ideia”, “não se deve usar apenas uma parte de nossa capacidade criativa”, “tem que esgotar todas as alternativas até chegar ao conceito de qualidade da criação”. Eu não entendia muito bem aquele amontoado de palavras que murmuravam frases durante seu trabalho na mesa da sala, ou mesmo na cozinha entre uma xicara de café, um Continental sem filtro e rabiscos e mais rabiscos em folhas alvas de papel.
Muitas vezes ficava eu ali quieto a observa-lo traçando seus projetos e desenhando suas lógicas profissionais. Dormia, enfiado num pijama de flanela repleta de motivos infantis feito pela minha mãe e, quando dava por mim, estava posto na cama, agasalhado por um cobertor de lã por causa das noites frias de inverno no então estado da Guanabara, mais precisamente no bairro do Grajaú, na cidade maravilhosa. Isso lá pelos idos de 1963, quando ainda nem 10 anos eu tinha.
E fomos nós de um lado para o outro. Papai perdeu o emprego no jornal por causa da instalação do governo militar com a destituição de João Goulart da presidência da República e a eleição do Marechal Castelo Branco pelo Congresso Nacional. Amargamos tempos ruins e difíceis. Mas sobrevivemos e, graças a garra e a determinação de mãe, a verdadeira heroína daqueles tempos, chegamos onde estamos hoje. E chegamos bem. Ultrapassamos as tormentas.
Ao longo do meu aprendizado profissional tive sempre meu pai como exemplo de jornalista. Muito pela sua competência, sua dedicação, sua lealdade aos fatos e sua independência política sobre os patrulheiros ideológicos que não faltaram numa Brasília enfiada em governos militares e com obstáculos de toda ordem, principalmente para quem usava a palavra para contar verdades inteiras, mesmo que fossem por meio de chuteiras e bolas de couro. Ele me serviu de guia e me deixei navegar no seu oceano de ética, honestidade e compromisso com a verdade, ontem, hoje e sempre.
E desde que me tornei jornalista (sou a terceira geração de Ottonis que assume a profissão: meu avô: Antonio Ottoni, meu pai: Ottoni Filho e eu: Marcus Ottoni. Meus outros irmãos optaram por outras profissões e estão bem cada qual no seu cada qual) que tenho pautado minha carreira com a convicção de que os conhecimentos adquiridos ao longo de quase 45 anos de labuta na imprensa os uso para produzir o que de melhor posso fazer. Assim foi em todos os lugares onde trabalhei nesse país.
No Rio Grande do Norte, onde aportei há 34 anos, constitui família e dediquei a maior parte de minha vida ao jornalismo, recebi uma rotulagem que se tornou carimbo pessoal espalhando uma característica profissional falaciosa que me abortou do mercado de trabalho local e que me colocou a margem da profissão. Não sei a origem, mas sei a causa. 
Quando ainda trabalhava no Diário de Natal, na seara dos medalhões de ocasião da imprensa potiguar, fui, por várias vezes e em várias ocasiões, vítima de bulyng profissional com ingerência direta no meu trabalho e na minha produção profissional. Só um exemplo: ao voltar de férias, recebi meu equipamento fotográfico com o espelho interno da Nikon quebrado e ajuntado os pedaço com superbonder. Reclamei e como resposta recebi da chefia de reportagem a determinação de trabalhar assim mesmo porque eu era profissional. 
É bem verdade que contestei e fui demitido e lá se foi a briga pelos meus direitos. E assim sempre foi. Sempre me quiseram para trabalhar muito e com dedicação canina. Na hora de pagar pelos meus serviços, “neris de pitibiribas” e a questão ia parar na Justiça. Daí o rótulo de “jornalista complicado” que me acompanha ao longo de quase 30 anos. E vi e ouvi colegas de profissão que eram meus amigos entoarem essa cantilena como se eu fosse obrigado a trabalhar de graça e não receber pelos meus serviços.
Mas essa rotulagem depreciativa do ponto de vista profissional me livrou das “oportunidades cabeludas” geradas pelos serviçais do patronato que criavam espaços em órgãos públicos para aumentar o salário de miséria que pagavam, e acho que ainda pagam, aos jornalistas nas empresas que comandavam e, também, para domesticar os profissionais que se submetiam ao trabalho com salário miserável e todo tipo de exploração porque tinham o “bico” nas assessorias de imprensa da Assembleia Legislativa, nas Secretárias de Governo e da Prefeitura, e em tantos outros órgãos que serviam para subsidiar os vencimentos dos “profissionais não complicados”.
Ser um “jornalista complicado” é ter dignidade pelo trabalho que executa, respeito por si próprio, não trabalhar gratuitamente e não se submeter ao jogo dos medalhões de ocasião e dos serviçais do patronado. Afinal, jornalista ganha a vida escrevendo. Alguns, meias verdades; outros, mentiras torpes; e uns poucos, verdades inteiras.

Comentários

  1. Pai tenho orgulho do sr sempre. E sei quem o sr é e o que preza. Nos todos te amamos.

    Pablo

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