O espelho que ofuscou o narciso

Abro espaço no blog para a análise da jornalista Andrea Mousinho sobre o momento político atual.

(Andréa Mousinho – Jornalista Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP e doutoranda em Ciências da Comunicação pela Universidade de Coimbra - Portugal)
Jornalista Andrea Mousinho

É impossível deixar de perceber que o Brasil vive atualmente uma tentativa de retomada da sua identidade patriótica, com significantes opostos a que aconteceu no final da década de 1979, com o início da abertura política e democrática. A referida abertura se iniciou a partir do desejo e da necessidade de liberdade de expressão nos mais diversos campos da cultura, entendendo-se por CULTURA, um “complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e capacidades adquiridos pelo ‘ser humano’ como membro da sociedade". Desde então, o brasileiro experimentou esse desejo indo às ruas e clamando pelas Diretas Já, num eco em uníssono, que levou Tancredo Neves a ser eleito indiretamente como o primeiro Presidente da República brasileira pós-regime militar. Entretanto, este “desejo” não obteve plena satisfação, em função da morte de Tancredo e da outorga do poder ao vice-presidente José Sarney. O fluxo perene dos ecos urbanos e rurais continuou a reverberar na garganta da população brasileira e Fernando Collor de Melo foi eleito pelo voto direto, deixando o governo por meio de um impeachment, comutado pelo vice, Itamar Franco, que exerceu o comando do Brasil até a eleição seguinte. Em 1995 Fernando Henrique Cardoso é eleito Presidente e depois de oito anos Luiz Inácio Lula da Silva é eleito com quase a maioria dos votos na eleição daquele ano. Desde o início da sua gestão, em 2003, Lula fez questão de demonstrar à população que a sua atuação como governante seria diferente dos seus antecessores. Ovacionado e eleito pela maioria da população brasileira, conquistou a todos e a todas, com um discurso em prol da ascensão das classes menos favorecidas e da igualdade econômica e educacional entre as camadas da nossa sociedade. Dessa forma, ele construiu seu discurso em conjunção com uma Gestalt populista, corroborada pela IMAGEM, de Lula do Brasil. Travou-se então uma cumplicidade entre o povo e o seu presidente. Com este enlace lavrado com comunhão de bens o presidente não precisou do protagonismo da militância uma vez que o próprio povo conferiu a ele a credibilidade na consolidação dessa IMAGEM positiva. Percebendo a força do seu discurso e da empatia que detinha junto à sociedade Lula solidificou sua IMAGEM numa espécie de Mise em Abyme (André Gide). Triplicou-a e alicerçou-a de forma especular com o povo brasileiro fazendo com que a população enxergasse em sua figura uma identificação parental.
No decorrer da sua administração, alicerçado e guiado pelo pensamento e “ideologia” socialista, governou oito anos com ações de marketing voltadas para projetos sociais com forte apelo ao assistencialismo, escopo precípuo dessa Mise em Abyme, a qual sem dúvida deu CERTO. Depois de cumprir os mandatos apoiou e elegeu Dilma Rousseff que na contramão dessa identificação parental não conseguiu ter a mesma empatia com a população brasileira. Dilma, em total disjunção com a potência IMAGÉTICA inscrita por Lula, demonstrou um anêmico desempenho político e cognitivo, para gerir e administrar os problemas do Brasil. Legitimada pelas ações elencadas acima e pela repulsa que conseguiu angariar da população brasileira fragilizou-se diante dos desmandos do governo Lula e respectivamente dos excessos do seu próprio governo. Nesta fenda voluntária, começa a aparecer os exageros linguísticos, as denúncias de desvios de dinheiro público, a certeza da corrupção instaurada, o fantasma da má administração dos recursos do Estado e os promíscuos conchavos entre as instituições privadas e o governo, que resultaram em propinas bilionárias e no início da desmistificação do PT e da IMAGEM de Lula perante boa parte da sociedade. Os acontecimentos de improbidade administrativa que destaco aqui foram divulgados, em larga escala pela mídia brasileira e internacional, desconstruindo a boa e saudável IMAGEM do ex-presidente Lula perante a audiência. Situação política que resultou no impeachment de Dilma, no fortalecimento da Lava-Jato, na prisão do ex-presidente Luiz Inácio da Silva e na quebra da relação especular e positiva que ele detinha junto à população brasileira.
Em meio a este cenário caótico, em que os desmandos foram disseminados e pulverizados de forma nada íntima, a população começa a desvincular a sua imagem da IMAGEM de Lula, e descredencia-la de forma diacrônica. Tendo em vista a quebra de paradigma da população com a representação IMAGÉTICA de Lula, inicia-se também a perda da identificação especular, entre a sociedade e o ex-presidente. Diante dos fatos elencados, ressurge a atuação proeminente da militância política, que imbuída numa luta árdua em defesa da manutenção positiva da IMAGEM de Lula, começa a arquitetar um Trompe-l’oeil (Engana o olho) dessa IMAGEM perdida. Nesta hiância (Freud/Lacan), surgem as manifestações populares e espontâneas em prol de um novo modelo de IMAGEM que substitua o status quo estabelecido pelo marketing do ex-presidente. O clamor e a expressão voluntária da população brasileira causou um visível incômodo na “comunidade” de esquerda, acostumada com a totalidade e hegemonia positiva, construída em torno da IMAGEM de Lula. Este estranhamento (Freud), ao causar incômodo na recepção/eleitores “de Lula e da esquerda”, reafirma a NÃO aceitação da ruptura especular entre o ex-presidente e povo brasileiro. Sendo assim, Identificamos nesta análise, que a NÃO concordância com a quebra deste paradigma, impôs à população brasileira, a impossibilidade de identificação com a IMAGEM de qualquer outro modelo, que não seja o proposto pelo establishment do PT e da esquerda. Essa blindagem da IMAGEM de “outros” se configura como uma averbação totalitária da iconicidade (Peirce) atribuída à Lula, bem como, da quebra de sua antiga relação de espelhamento com a população.
Destaco aqui, um corpus relevante para esta análise, que são os materiais de campanha impressos e em audiovisual, utilizados na atual propaganda eleitoral a Presidência da República, do Partido dos Trabalhadores. Observa-se neles a persistente síntese da IMAGEM de Fernando Haddad fundida à imagem de Lula numa injunção de nuances que tenta empoderar o candidato Haddad por meio do “reflexo” ausente da IMAGEM do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nesta perspectiva de análise entendemos que a semiose das imagens verificadas revela que Lula, mesmo ausente, é o objeto interno e imediato do signo e da narrativa imagética da campanha. Enquanto que Fernando Haddad é o objeto externo e dinâmico da representação IMAGÉTICA de Lula. Confundindo de forma intencional e pueril os olhares menos avisados e menos atentos deste Mise em Abyme político.
Sendo assim, percebe-se que esta relação especular forjada entre os dois sujeitos da análise, subverte a iconicidade (Ícone) da imagem de Haddad e reitera a indicialidade (índice) da imagem de Lula, como um signo arbitrário a ser interpretado pelos eleitores e ao mesmo tempo confundi-los. Diante do exposto, suponho que os eleitores do PT e da esquerda, estão vivenciando uma sensação persecutória e abortada pela quebra do paradigma IMAGÉTICO de Lula, que anteriormente era Gestalt no imaginário coletivo brasileiro e hoje representação simbólica de uma FERIDA NARCÍSICA, aberta e exposta nos seus eleitores e na sua militância. Diante da análise proposta entendo que a tentativa desta militância em eternizar a IMAGEM de Lula, como égide do IDEAL DO EU (Freud,) foi desrealizada pelo descrédito da população que enxergou de forma quase massiva este comando e desconstruiu o reflexo de uma IMAGEM a priori formatada laborando um novo Mise em Abyme onde O ESPELHO OFUSCOU NARCISO.

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